domingo, 6 de abril de 2014

Sr. Deputado, Sr Senador...

Hoje, mais cedo, ao ler o jornal, vi uma noticia /comentário, extremamente interessante, feito pelo Élio Gaspari; podem ver lá, pág. 6 do O Globo de hoje.

Quem quiser ir ver lá, no original, pode ir lá agora; mas voltem rápido para continuarmos aqui.

Quem não viu, mas acha que dá muito trabalho ir lá agora ver a noticia, não tem problema, eu conto aqui rapidamente. 

O que acontecee é que, na terça passada, o congresso teria aprovado uma medida provisória (MP 627), à qual foi enxertada uma regra especifica para o cálculo das multas pecuniárias impostas às seguradoras de saúde.

Uma anistia parcial para as seguradoras que não cumprem os contratos. Como bem caracterizou o jornalista, é disso que se trata.

Basicamente, na forma original da Lei, e como é normal, para cada infração cometida pelo operador, ser-lhe-ia imputada uma multa.

Ocorre que, por qualquer expediente (no mínimo, expediente pouco ético...), algum iluminado parlamentar fez inserir uma norma tipo promoção: leve dois pague um. Então, e no lugar daquilo que seria normal (uma infração, uma multa), passa a ser aplicável a regra de uma multa para um determinado conjunto de infrações. Fenomenal. Brilhante.

Basicamente é isso; e como já estamos aqui todos, os que ficaram, e os que foram ver o original da noticia, podemos prosseguir.

Não é o meu objetivo entrar naquele discurso fácil e demagógico em que todos são corruptos, que já bem conhecemos. É verdade que os parlamentares que cozinharam esta norma, contrária ao Direito, à Justiça e, acima de tudo à ética, não me deixaram uma tarefa fácil. Mas vamos lá.

Vamos imaginar que os queridissímos parlamentares estivessem de boa fé quando propuseram esta norma; vamos imaginar, ainda, sequer que eles entendessem a necessidade da racionalização e vamos fazer em seguida.

Por isso, a partir de agora, eu escrevo em especial para o Sr. Deputado/Senador que propôs essa norma tão... curiosa. Vamos manter a polidez e adjetivar a norma dessa forma:Curiosa...

Amigo Deputado/Senador,

Está definitivamente ultrapassada (será?) a ideia de que o Estado não deve desempenhar um papel regulador no funcionamento do mercado. Ele tem, sim, um papel fundamental enquanto moderador e de correição de algumas externalidades negativas que o mercado cria.

O que isto quer dizer, Sr. Deputado/Senador? Isto quer dizer que o Estado deve agir aplicando multas para que os players do mercado, especialmente num mercado de reduzida competição, como é o caso do Brasil, não se preocupem apenas com custos, lucros, mas também com a qualidade dos serviços prestados aos seus clientes.

Mas como assim? As empresas não se preocupam com a qualidade dos seus serviços e com a satisfação do seus clientes? Amigo Deputado/Senador, eu sei que a resposta a essa pergunta deveria ser uma obviedade, mas hoje, infelizmente, em nenhum lugar do mundo, ela é. Seja pela pouca competição do mercado, seja pela pouca exigência dos consumidores, seja por opção econômica dessas companhias, a verdade é que a massificação dos serviços não tem favorecido a sua qualidade...

Sim, com prejuízo dos clientes; dos cidadãos, exatamente.

Uma das regras básica da economia é a de que os agentes atuam racionalmente; mas, infelizmente, essa racionalidade é vista como uma autorização para um desmedido suprimento das próprias necessidades/maximização do próprio beneficio. Em linguagem corporativa, aumentar os lucros.

E no prazo mais curto possível; raramente alguém pensa além de resultados trimestrais...

Assim, o que acha que pensa o CEO de uma empresa? Vou gastar mais dinheiro, aumentando a qualidade do serviço que presto; ou, alternativamente, vou cortar os meus custos, oferecendo um serviço pior, mas aumentando a rentabilidade e os lucros da empresa, deixando satisfeitos e felizes os meus acionistas/patrões (cheios de dividendos...)?

A opção, como é óbvio, é a segunda alternativa. E é aqui que entra o Estado.

Então, o que é que o Estado está a fazer ao aplicar estas sançôes de natureza econômica? Ele está a criar um incentivo para que as empresas entendam que é mais vantajoso aumentar a qualidade dos seus serviços, do que descumprir as suas obrigações.

E este tipo de politicas funciona.

E esta tentativa de aprovar esta norma demonstra que sim, estas politicas funcionam realmente. E o Estado está, por isso a exercer corretamente o seu papel de correção dessas externalidades.

É por isso, Sr. Deputado/Senador, que o Sr. fez uma coisa errada, muito errada que, esperemos, seja corrigida a tempo.

Agora imaginando que as coisas funcionaram normalmente, e que o nosso querido Deputado/Senador, atuou intencionalmente e de má-fé para atender aos interesses corporativos das empresas de seguro de saúde.

Nada de novo, fica apenas demonstrado, mais uma vez, o que todos já sabemos: que a democracia se encontra arregimentada pelos interesses corporativos; que estamos, a nivel global, presos entre a espada e a parede.

Uma boa forma de começar, seria pelo fim do financiamento das campanhas politicas por pessoas jurídicas (afinal, ao que se sabe, essas entidades não votam... «Deve ser lido em tom irónico»). Mas não é suficiente, como é obvio.

O primeiro passo, e mais importante, seria que os deputados/senadores que fazem estas coisas não estivessem nessa condição... Ou estando, que tivessem aquela coisa chamada ética...

Como não espero que nenhum milagre aconteça, e os deputados/senadores adquiram, de repente, qualidades que não possuem (transparência, independência...), resta-nos esperar que a separação de poderes funcione...

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